Por Cléo
Busatto
Para saudar a primavera tratei as plantas. Cortei
os galhos secos. Revirei a terra e acrescentei húmus. Lavei as folhas, retirei a poeira. No
inverno não é bom mexer com elas. Preferem ficar quietinhas e recolhidas. A
energia se volta para dentro. Por fora parecem feias e sem vida. Mas lá, no
interior escuro, algo se processa. É tempo de preparar um novo galho, que
expandirá seu brilho na forma de uma nova folha, flor, fruto. Quando chega a
primavera, a natureza sabe que é tempo de vir para fora em toda a sua
plenitude, mostrar a beleza que carrega em si, construída lentamente, num
processo silencioso e continuo.
O mito nos conta, que a deusa Perséfone, quando
jovem, foi raptada por Hades. Deméter, sua mãe e senhora da terra e das
colheitas, fez um trato com o deus do mundo subterrâneo. Eles acordam que
durante seis meses a jovem ficaria com ele, no mundo de dentro e depois, por
outros seis meses, permaneceria na companhia da mãe, no mundo de fora. Quando
ela chega à superfície, tudo floresce e madura. Quando ela volta para Hades, a
natureza
se contrai e se volta para o interior.
Cuidar do jardim metaforiza o ato me cuidar, para
fazer a primavera acontecer em mim. No meu inverno, tempo de recolhimento, calada
eu gero, o que potencialmente já existe. Quando a primavera se aproxima, eu
também devo limpar minhas sujeiras que impedem o livre respirar, cortar o galho
que não tem mais seiva, me adubar com terra boa e nutrientes, renovar a
consciência dos ciclos da natureza. Tudo nasce, cresce e morre. Até um
pensamento, uma forma de se olhar.
Primavera é tempo de se florir, deixar surgir novas
ideias, novas formas de se lidar com as coisas, de desapegar e permitir que o
belo que nos habita se espalhe na superfície. Tempo de se maravilhar com a
vida, que explode em cores e perfumes, se deixar tocar pelo sonho que origina o
movimento para o novo. É tempo de ver as coisas com os olhos da alma, e se
assombrar com o que poderá se enxergar.
Nenhum comentário:
Postar um comentário